terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Os velhinhos


O melhor da vida são as pequenas lições.

Outro dia, à tarde, resolvi comprar um doce num quiosquezinho perto lá de casa. Caminhava apressada e distraída, decidindo mentalmente entre uma tortelete ou brigadeirão. Decidi pela tortelete – não uma, mas três delas (e no capricho).

Só que antes de chegar ao meu destino, percebi um casal de velhinhos – muito velhinhos – que saía do hospital. A cena era realmente de chamar a atenção: os dois cainhavam lentamente, apoiados um no outro - cheios de confiança - e olhavam para todas as direções. Cada passo que davam parecia resultado de um sacrifício enorme e, de repente, tive a impressão de que eles precisavam de um minuto inteiro para avançar apenas meio metro.

Ao passar por eles deixei escapar um tímido “Boa tarde” e continuei seguindo; foi quando a velhinha segurou o meu braço gentilmente e disse: “Minha jovem, você poderia nos dar uma informação?”. No momento seguinte me vi caminhando l e n t a m e n t e ao lado deles, a procura de “um lugarzinho baratinho para almoçar”. Durante o percurso, contaram que são de Maragogi e que precisam vir a Maceió de tempos em tempos para fazer novos exames. Nós três conversávamos animadamente, até a hora em que perguntei se eles tinham filhos. Eu e minhas garfes. “Sim, nós temos, mas eles são muito ocupados, já são casados e não podem nos acompanhar”. Fiquei sem saber como reagir vendo aqueles rostos – tão marcados pelo tempo, tão cúmplices um do outro – com os olhinhos cheios de lágrimas.

Voltei pra casa muito mais distraída. Esqueci completamente a tão desejada tortelete e, pra completar, quase caí num buraco (então me dei conta de que ainda estava andando muito devagar).

Esse episódio me fez recordar uma visita ao Asilo, muitos anos atrás, junto com a turma do colégio. Lembro-me de que eu e minhas amigas ficamos impressionadas com o descaso das famílias, a falta de higiene e, principalmente, com a solidão tão perceptível nas expressões, nos olhares, nos abraços, nas conversas. Lá nós conhecemos uma senhora que chorava muito porque queria comer bolo. Ela sonhava com bolo, cantava a canção do bolo, pedia que lhes dessem bolo, mas nada adiantava. Então nós prometemos voltar na semana seguinte com o seu bolo preferido. Nunca vi tanta felicidade. Acontece que nós nunca voltamos (“Essa semana eu não posso.”, “Semana que vem ela não pode.”, “Vamos deixar pra mês que vem?”, “Lembra ano passado? Nós ainda não levamos o bolo!”). Eu fico imaginando quantas promessas iguais àquela ela já não recebeu.

E a minha pergunta é simples: num país como o Brasil, que valoriza tanto a juventude, a beleza e a virilidade, onde ficam os nossos velhinhos? Por que é tão fácil abandoná-los? Por que tanta impaciência, falta de tempo, de assistência, de cuidado e de gratidão? Eles que um dia também foram jovens e vivenciaram ricos costumes; eles que lutaram por seus objetivos e sonharam com um país melhor; eles que dedicaram boa parte de suas vidas aos filhos, transmitiram-lhes princípios e valores, trabalharam para sustentá-los, para fazê-los crescer e vencer. Eles envelheceram, sim; muitos ficaram doentes e outros perderam a memória. No entanto, continuam sendo os mesmos pais, irmãos, tios e avós; repletos de carinho e amor para dar ( receber). Eles são como antigos baús, recheados de sentimentos, experiências e sábias histórias.

Eles vivem.


Texto retirado do meu antigo blog..


Amanda Gabriela G. de Lima

Um comentário:

  1. Mandinha,com sua visão, mostrando o mágico turvado pela rotina cotidiana.

    Bruno Maia :]

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