terça-feira, 10 de novembro de 2009

Senzalas Modernas I: Prisão

[...] "mas presos, são quase todos pretos. Ou quase brancos quase pretos de tão pobres. E pobres, são como podres. E todos sabem como se tratam os pretos." Haiti, Gilberto Gil


A fria disposição estatística dos números dispostos em pesquisas acerca de nossa população carcerária contorna a feição, ou melhor, a cor e a classe social de nossos detentos.
Parcela esmagadora é composta por negros e pardos (cerca de 49%* da população carcerária), caracterizado também por seu estamento (quase uma totalidade são pobres analfabetos). Esse é o retrato marcante de nossa população enclausurada: um apilhado de homens, que na práxis carcerária desmistifica qualquer lei da física – sim, Dr! Quem disse que aqui dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço? Ocupam 17 o lugar de 2. Todos à cela da própria sorte.
Na oportunidade em que visitei algumas delegacias do estado, ou que mantive contato com o mesmo detido por mais de uma vez, num intervalo de tempo qualquer, vi a transformação individual da pessoa humana ser ditada pelo ambiente na qual está inserida. É o próprio Cortiço o personagem principal que dita as regras, não o de Azevedo, mas o do Estado. Não o de João Romão, mas o meu e o seu. Afinal, quem paga a conta? Veja-se aquela conta não simplesmente sob a monta financeira, mas também em seu imensurável deságio social.
As semelhanças entre a cadeia atual e as senzalas do Brasil Império são inegáveis. O clientelismo para com os negros pobres é o primeiro ponto, basta ver os índices. E não adianta levantar a bandeira esquizofrênica de que os gens da população negra está mais propensa a esse comportamento, como fez um professor geneticista baiano. A seletividade é racial!
Temos nossos Capitães do Mato. Sob a atenção vigilante do chefe de serviço – uma caricatura atual do personagem mais temido pelos negros escravos – estão os detidos, ou melhor: negros e pobres. Aos que desrespeitam as leis da massa, como acontecia “antigamente” à política escravagista, uma sutil conversa pedagógica do responsável disciplinar ao pé do ouvido – no nosso maior eufemismo hipócrita.
Gritaram: Abolição! Quem escutou?!
Por fim, pare e veja uma abordagem policial. Ainda nega que (como cantou Yuca) todo camburão tem um pouco de navio negreiro.

* Dados contidos no relatório anual, 2009, da população carcerária nacional do Ministério da Justiça.


Bruno Maia

Um comentário:

  1. "É o próprio Cortiço o personagem principal que dita as regras, não o de Azevedo, mas o do Estado. Não o de João Romão, mas o meu e o seu. Afinal, quem paga a conta?"
    E eu fico me perguntando quando os "criminosos de colarinho branco" (odeio clichês, mas é o caso) serão julgados com a mesma eficiência. Quem comete um crime deve ser punido - e a Justiça existe para isso - qualquer um que cometa um crime deve ser punido (não apenas os negros, os probres e os excluídos). Ótimo texto!!

    ResponderExcluir